terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

América

Sou a língua que falo.
Sou substantivo abstrato.
Sou sujeito composto
por inúmeras incoerências verbais.
Sou adjetivo pátrio
de uma pátria que não existe.
Sou o verbo mais irregular
que a boca humana já proferiu.
Ser latino-americano
é ser complexo tanto na língua
quanto na existência.
A América do Sul é um pandemônio lexical
belíssimo!

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Mudança

Tenho pensado bastante. Quero mudar minha postura.
Esse texto é para alguém que me faz pensar em coisas boas.
Em coisas muito boas.

A felicidade é um punhado de coisas.
Uma dessas coisas é estar com ela =)


Imensurável


Nós temos algo diferente.
Nós temos algo estranho.
Nós temos algo que poucos chegam a conhecer,
mas nós temos.
Algo sem largura, sem comprimento e sem altura.
Algo sem área, sem volume, sem profundidade,
sem fronteiras.
Algo de uma existência volátil,
ainda que ao mesmo tempo tátil
e constante.
Ser feliz é ter contido na alma
algo muito maior do que aquilo que se é,
do que aquilo que se pode ser.
Ser feliz é ter luz dentro de si
e não ser capaz de contê-la.
Sou feliz.
Tenho você dentro de mim.

Sim, eu vou pra longe,
mas a minha vida
fica contigo.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Mancha

Às vezes é bom tirar os óculos
e enxergar o mundo como uma mancha.
Ver as luzes desfocadas
dos postes na beira das estradas,
ver as copas das árvores fundirem-se
com o céu escuro,
ver prédios passarem em alta velocidade,
misturando-se com o chão, com o ar, com o cheiro,
ver pessoas transformarem-se em borrões,
ver-me no espelho transformado em um borrão
e perceber que não passo de um borrão.
É bom entender as pessoas, o mundo e a vida.
É bom entender a si mesmo.
Às vezes.
Tirar os óculos e ver que tudo é uma mancha única,
massa disforme de luzes, folhas, galhos, postes, prédios,
braços e pernas,
pensamentos, ideologias
e sensações,
é uma sensação libertadora.
Simplesmente libertadora!

Dezembro

A chuva parou.
Cheiro bom de asfalto molhado.
Janela aberta, brisa suave, céu cinzento.
Olho a rua e me entristeço.
Sinto coisas estranhas,
um rebuliço em meu estômago me assusta.
Que ódio é esse que sinto
do casalzinho que namora frente ao meu apartamento?
Que ódio é esse da chuva que parou,
do céu cinzento,
da brisa suave,
das pessoas que passam?
Que ódio é esse que sinto de mim mesmo?
Acabei virando uma coisa.
Detestável.
Não conheço mais os meus amigos.
Não me conheço.
O espelho é torturante com seus olhos pretos fundos,
perdidos em algum tempo passado,
fixos em mim, imaginando talvez
o homem que um dia fui.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Útero

Altas horas da noite.
Vem essa escuridão exterior,
vaga, lenta, terna,
dama estranha aos meus olhares,
e torna todo o meu espaço interior
em algo não muito diferente de um útero.
Calmas horas da noite.
Silêncio.
Um grilo grilando na rua.
Sono da cidade feroz,
quietude de alma,
não me deixem!
Peço que o Sol se demore
por mais algumas horas.
Afinal, que pressa tem ele?
Vontade de dormir,
de ler, de escrever...
vontade de não fazer nada.
Vontade de querer alguém.
Vontade de ser querido.
Vontade de tapar o vácuo cósmico
com vontades.
Ah! Meus pés pedem asas,
minhas costas pedem redes,
meus olhos pedem óculos.
Há só o medo
e o vácuo que eu tanto gostaria de tapar.
Há só a noite
e esse útero insuportável de mim mesmo.

Tenho vontade de me parir.